quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

A minha escola primária

No dia 7 de Outubro 1958
foi um dia especial
foi o meu primeiro dia de escola
mais nenhum será igual

com uma batinha branca
e uma bolsinha de trapo
com uma pedra e um lápis
e um livrinho usado

arrepiada com frio
lá ia para a escola
era mesmo no engenho
lá ia com a sacola

dinheiro não havia
ninguém tinha para gastar
havia o recreio
mas era só para brincar

a D: Maria José Almada
era a minha professora
uma senhora velhinha
era mesmo uma doctora

as meninas ricas
eram sentadas á frente
vinham vestidas e calçadas
muito diferente da gente

eram tratadas diferentes
e tratadas por meninas
eram dos senhores da vila
que já tinham suas manias

a Lucinha e a Manuela
a Rosália e Adriana
eram mais finas
pois disso já tinham fama

na hora do recreio
olhava para o quintal
com laranjas pelo chão
era do Sr. Juvenal

então as meninas da casa
pediam para varrer
para darem uma laranja
que estava apodrecer

o quintal era asseado
com pedrinha do calhau
todo bem dividido
mas o acesso era mau

não se podia saltar
para as laranjas comer
só a menina Cristina
o caso podia resolver

nessa altura não havia
laranjas para comprar
era só pelo Natal
que alguém vinha vender

não vinha de fora
fruta para vender
era só da região
que havia para comer

mas eu gostava da escola
e chorava quando estava doente
queria ir para a escola
não queria ficar ausente

esperta e dedicada
tudo estava aprender
passei sempre de classe
só vendo para querer

ia com a minha prima
que era da minha idade
a minha prima Maria
que vivia com humildade

tinha os mesmos haveres
e a mesma situação
íamos as duas para a escola
com a maior satisfação

ela era obediente
e tinha medo de brincar
quando acabava a escola
eu só queria saltar

mas muitas vezes acontecia
de Maria não esperar
chegava primeiro do que eu
minha mãe estava a ralhar

então dizia á minha prima
que ela tinha de esperar
senão no outro dia
não a deixava estudar

estudávamos tanto
para tudo bater certo
sabíamos tudo de cor
nada era incorreto

a professora chamava-me
sempre com muita atenção
para eu ir ao mapa
apresentar a lição

isto na 3ª classe
sabia tudo aprumado
sabia os rios de core
e obtida o resultado

nessa altura havia a régua
que era muito engraçada
toda redonda com furos
ficava com as mãos inchadas

mas penso que levei pouco
mas algumas sempre levei
ficava com as mãos inchadas
só eu sei o chorei

devia ser de brincar
e estar sempre a falar
esse era o meu defeito
que continua a me acompanhar

eu gostava muito
de ver a professora desenhar
ela desenhava tão bem
que eu gostava de admirar

ainda estou lembrada
de a ver desenhar
o mapa da Madeira
que sempre vou recordar

também desenhava pássaros
para mim era novidade
achava tão bonito
pois vivia com simplicidade

quando chegamos a terceira classe
o caso foi bem diferente
era o ultimo ano escolar
que estava com a gente

penso que foi para a reforma
pois já não podia ensinar
pois estava muito velhinha
quase não podia andar

morava perto da escola
era a mãe do menino Tiago
um senhor com idade
mas com porte de fidalgo

o marido coitado
já andava a delirar
deitava atrás dos pequenos
só queríamos no atentar


quando de longe o avistávamos
chamávamos lhe Agarra
ele corria atrás dos pequenos
faziam uma algazarra

eu também como criança
também lhe chamei agarra
ele deitou atrás de mim
e tinha uma navalha

não ganhei para o susto
fiquei com o corpo a tremer
depois ia pelo o muro
para ele não me ver

são memorias de criança
que tudo aconteceu
mas ele já estava velho
e pouco depois morreu

mas voltando a escola
tive de continuar
e a 4ª classe
tinha de acabar

pois a 4ª classe
foi outra professora
D. Maria coelho Pita
era muita sabedora

a escola era na vila
onde hoje é ajunta de freguesia
a escola tinha uma escada
era tudo uma folia

na hora do recreio
o sino estava a tocar
era tudo aos empurrões
para primeiro chegar

tinha uma empregada
a sr Mariazinha
era uma senhora boa
mas não parava a gritaria

depois nas aulas
tínhamos de ter atenção
para ir ao mapa
e sabermos a lição

também tinha o quadro
para as contas fazer
dividir, multiplicar,
somar e subtrair

fazíamos a prova dos nove
tudo tinha que dar certo
e saber as tabuadas
para tudo ser correto

quando eu ia a venda
estava com atenção
aprendi a fazer a prova dos nove
e fazia com presição

a sr Laurinda
sabia bem somar
eu fazia a prova dos 9
para nada poder falhar

também durante a escola
tínhamos que pagar
dois e quinhentos
para a caixa escolar

mas eu nunca levava
pois minha mãe não me dava
não havia dinheiro
pois meu pai só trabalhava

quando estava a terminar
a 4ª classe
tinha que fazer exame
para ver se passava

fiz um vestidinho
para na prova apresentar
fiz tudo certo
e tudo estava a terminar

quando tudo terminou
a professora pediu a minha mãe
para me por a estudar
mas não havia um vintém

pois eu era inteligente
e chorei que queria estudar
mas havia 8 filhos
meu pai só a trabalhar

foi triste deixar a escola
mas dinheiro não havia
e ninguém ajudava
aquele que não tinha

vim para casa brincar
e ajudar a fazer
a lida da casa
e tudo ter de aprender

depois aprendi a costura
que eu queria aprender
com a minha irmã São
até conseguir fazer

quando fui para a Matur
então comecei a estudar
trabalhava e estudava
até o 12ano acabar
 
voltando ainda a escola primaria
ainda tenho de contar
que davam um cartão
para a sopa levar

um cartão de madeira
que era uma alegria
íamos a S. Roque
todas numa correria

comíamos uma sopa
e também nos davam pão
as vezes tinha queijo
era uma satisfação

também havia
óleo de figado de bacalhau
ninguém gostava
pois o gosto era mau

e também havia as vacinas
que tudo ficava a tremer
quando chegava as enfermeiras
ninguém queria saber


a senhora da cantina
era a senhora Maria
uma senhora boa
e sempre com alegria

guardo estas recordações
e quero também dizer
que crise foi no meu tempo
nada havia para viver

agora tudo ajuda
e dão dinheiro para estudar
a segurança social
de tudo está a tratar

quando me lembro 
de tudo o que passei
mas havia o carinho
do pai e da mãe

o pai ia trabalhar
a mãe com toda atenção
educava os filhos
sempre com muita atenção

e assim acaba a história
de tempos que já la vão
que tudo era difícil
e não havia um tostão


Machico,12 de janeiro 2012

Lídia Aveiro